segunda-feira, 18 de novembro de 2019



Adeus, senhor ditador
* Ecio Rodrigues
Para Carlos Matus, economista chileno e autor de farta literatura sobre organização e gestão do Estado, a falta de planejamento é fator determinante para o fracasso de um mandato governamental.
No célebre livro “Adiós, señor presidente”, publicado originalmente em 1987, Matus usa uma alegoria para explicar o método PES (Planejamento Estratégico Situacional), por ele desenvolvido: a melancólica despedida de um presidente que termina seu mandato sem realizações ou legados, deixando o país pior do que encontrou.
No caso da Bolívia, todavia, o êxito de três mandatos presidenciais consecutivos não impediu a derrocada constrangedora de Evo Morales.
Durante o Governo Evo, o PIB boliviano cresceu mais de 4% ao ano, bem acima da média da América Latina para o período (e ainda mais acima da média brasileira).
Também houve considerável redução da miséria, sendo que, hoje, o contingente populacional em situação de pobreza naquele país corresponde à metade do que existia no final da década passada. Da mesma maneira, o Coeficiente de Gini (que mede desigualdade de renda) caiu de 0,60 para 0,47.
Incomuns na realidade boliviana, essas auspiciosas estatísticas são robustas o suficiente para tornar qualquer governante um fenômeno em termos de respeito e popularidade. Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Demonstrando incapacidade para governar em ambiente democrático, o presidente boliviano deixou de colher os dividendos políticos trazidos pelos excelentes indicadores econômicos, em razão de recorrentes agressões às instituições e completo desrespeito aos mecanismos que garantem a alternância de poder – princípio, como se sabe, fundamental numa democracia.
A tendência ao autoritarismo e ao despotismo se manifestou já em 2006, logo no início de um governo que duraria 14 anos, quando Morales começou a prender os que ousavam se contrapor às suas medidas, obrigando opositores a fugir do país.
Impondo um nacionalismo tosco, que justificou a invasão e estatização de multinacionais petroleiras, e escudado pelo MAS (Movimento ao Socialismo), Evo Morales levou os bolivianos a se unir à Venezuela e Cuba, países que ocupam posições bem inferiores em qualquer ranqueamento democrático.
Cumpre dizer, contudo, que a despeito desse alinhamento do Governo Morales com o espectro ideológico da esquerda, para analistas econômicos o crescimento da Bolívia nesse período se deve ao aumento do valor do gás e petróleo no mercado internacional e, além disso, à observância de preceitos econômicos ditados pelo liberalismo, tais como abertura da economia para o capital internacional.
O bem-sucedido presidente evidenciou seu apego ao poder ao concorrer e vencer o pleito de 2014 para o terceiro mandato, sob a duvidosa alegação de que o primeiro fora anterior à regra constitucional que veda mais de uma reeleição aos governantes (que ele mesmo fizera aprovar pelo parlamento em 2009).
Posteriormente, o desejo de se perpetuar no comando do país restou patente quando convocou (e perdeu) um referendo popular em 2016, com o propósito de consultar a população sobre a possibilidade de se reeleger indefinidamente.
E a comprovação final de que o presidente não estava disposto a, como se diz, largar o osso veio com as eleições de 2019 – ocasião em que passou por cima do referendo e novamente se candidatou, buscando o quarto mandato.
A candidatura de Morales foi autorizada pelo Tribunal Constitucional, colegiado cuja imparcialidade é contestada pela oposição e que, ao julgar ação proposta por uma senadora do MAS, inovou bastante, digamos assim, ao acolher a tese de que o limite de dois mandatos presidenciais configura "violação aos direitos humanos".
Não bastasse toda a controvérsia em torno do quarto mandato presidencial, uma desconfiança generalizada pairou sobre os procedimentos de escrutínio, que foram injustificadamente interrompidos e apresentaram resultados pra lá de questionáveis, conferindo a vitória a Evo em 1º turno.
Foi a pá de cal para a deflagração de violentos atos de protesto por todo o país.
O relatório produzido pelos observadores da OEA (Organização dos Estados Americanos) não aliviou para o lado do governo, considerando o processo eleitoral contaminado, recomendando a realização de nova votação e a substituição das autoridades eleitorais.
Era tarde, entretanto, e a situação de Morales se tornou insustentável. Numa demonstração de covardia e desprezo pelas instituições e pelo país, Evo e seu séquito renunciaram, deixando o povo boliviano por sua própria conta.
O sucesso do presidente não evitou o adeus ao ditador.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
                                                            

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