O fim dos seringais nativos da Amazônia
* Ecio Rodrigues
Embora o seringueiro ainda goze de status até certo
ponto privilegiado diante de outras categorias de trabalhadores rurais, a
produção de látex e borracha em seringais nativos da Amazônia deixou de ter
significado econômico já no final do século passado.
Fosse possível delimitar uma data para o fim dos
seringais nativos da Amazônia, poder-se-ia afirmar que desde a década de 1980 a
produção de borracha em seringueiras de ocorrência natural na floresta, inclusive
no Acre, apresenta valores desprezíveis para as estatísticas de produção do
setor primário da região.
O aposto “inclusive no Acre”, na frase acima, tem razão
de ser. É que, nesse estado, sobretudo ao longo dos rios Acre e Juruá, a
extração de látex amazônico para abastecimento do mercado internacional de pneus
se tornou referência, tanto em qualidade quanto em produtividade (quantidade de
borracha por hectare).
Um breve ressurgimento da produção de borracha em
seringais nativos amazônicos sobreveio no início da década de 1990 graças ao
advento das reservas extrativistas – unidades de conservação inventadas no Acre
que rapidamente conquistaram a Amazônia.
Adicionava-se, por intermédio das reservas extrativistas,
forte componente social (como instrumento de reforma agrária) e ecológico (como
categoria de unidade de conservação) a uma declinante importância econômica dos
seringais nativos amazônicos.
Nesse momento, chegava-se ao consenso de que a produção
de borracha seria a atividade produtiva mais adequada à Amazônia, de acordo com
os ideais de sustentabilidade preconizados mundo afora.
O consenso se baseou na premissa segundo a qual a
seringueira nativa depende da floresta existente ao seu redor por várias
razões, mas em especial para proteção contra o ataque do fungo Microcyclus ulei (P. Henn), causador da
doença conhecida por “mal das folhas”, que compromete de forma definitiva a produção
de látex.
A ideia-força, que levou o sindicalista Chico
Mendes a se tornar um verdadeiro ícone ecologista, traduz-se na seguinte lógica:
a produção de borracha em seringais nativos, além de atender à reivindicação de
um tipo peculiar de produtor rural (o seringueiro), serviria de anteparo para
conter o desmatamento e garantir a conservação da floresta na Amazônia.
Porém, a realidade mostrou que a retomada da
produção de borracha em larga escala, nos moldes como ocorreu durante o ciclo
econômico da borracha (início do século XX), bem como durante a 2ª Guerra (metade
do século XX), não seria possível, em função da concorrência dos seringais
cultivados do Sudeste e diante da ausência de seringueiros nos seringais
nativos – ou seja, em atividade.
A partir daí, surgiram diversas tentativas de produzir
látex em pequena escala, por grupos específicos de produtores. Apareceram
produtos como couro vegetal, tecido encauchado, além de outros que misturavam látex
a outros materiais, como restos de ouriço, casca de açaí, e assim por diante.
Quase sempre, essas iniciativas pressupunham a
comercialização de algum tipo de produto artesanal confeccionado por comunidades
pré-selecionadas. Todavia, nenhuma das novidades tecnológicas destinadas à
produção artesanal demonstrou vitalidade econômica.
A maioria dessas experiências fracassou ou
apresentou relação desvantajosa entre o custo dos projetos, a população
beneficiada e o retorno financeiro, não se justificando sua permanência.
Os seringais da Amazônia acabaram. Melhor se
conformar.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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