terça-feira, 18 de junho de 2019



O fim dos seringais nativos da Amazônia
* Ecio Rodrigues
Embora o seringueiro ainda goze de status até certo ponto privilegiado diante de outras categorias de trabalhadores rurais, a produção de látex e borracha em seringais nativos da Amazônia deixou de ter significado econômico já no final do século passado.
Fosse possível delimitar uma data para o fim dos seringais nativos da Amazônia, poder-se-ia afirmar que desde a década de 1980 a produção de borracha em seringueiras de ocorrência natural na floresta, inclusive no Acre, apresenta valores desprezíveis para as estatísticas de produção do setor primário da região.
O aposto “inclusive no Acre”, na frase acima, tem razão de ser. É que, nesse estado, sobretudo ao longo dos rios Acre e Juruá, a extração de látex amazônico para abastecimento do mercado internacional de pneus se tornou referência, tanto em qualidade quanto em produtividade (quantidade de borracha por hectare).
Um breve ressurgimento da produção de borracha em seringais nativos amazônicos sobreveio no início da década de 1990 graças ao advento das reservas extrativistas – unidades de conservação inventadas no Acre que rapidamente conquistaram a Amazônia.
Adicionava-se, por intermédio das reservas extrativistas, forte componente social (como instrumento de reforma agrária) e ecológico (como categoria de unidade de conservação) a uma declinante importância econômica dos seringais nativos amazônicos.
Nesse momento, chegava-se ao consenso de que a produção de borracha seria a atividade produtiva mais adequada à Amazônia, de acordo com os ideais de sustentabilidade preconizados mundo afora.
O consenso se baseou na premissa segundo a qual a seringueira nativa depende da floresta existente ao seu redor por várias razões, mas em especial para proteção contra o ataque do fungo Microcyclus ulei (P. Henn), causador da doença conhecida por “mal das folhas”, que compromete de forma definitiva a produção de látex.
A ideia-força, que levou o sindicalista Chico Mendes a se tornar um verdadeiro ícone ecologista, traduz-se na seguinte lógica: a produção de borracha em seringais nativos, além de atender à reivindicação de um tipo peculiar de produtor rural (o seringueiro), serviria de anteparo para conter o desmatamento e garantir a conservação da floresta na Amazônia.
Porém, a realidade mostrou que a retomada da produção de borracha em larga escala, nos moldes como ocorreu durante o ciclo econômico da borracha (início do século XX), bem como durante a 2ª Guerra (metade do século XX), não seria possível, em função da concorrência dos seringais cultivados do Sudeste e diante da ausência de seringueiros nos seringais nativos – ou seja, em atividade.
A partir daí, surgiram diversas tentativas de produzir látex em pequena escala, por grupos específicos de produtores. Apareceram produtos como couro vegetal, tecido encauchado, além de outros que misturavam látex a outros materiais, como restos de ouriço, casca de açaí, e assim por diante.
Quase sempre, essas iniciativas pressupunham a comercialização de algum tipo de produto artesanal confeccionado por comunidades pré-selecionadas. Todavia, nenhuma das novidades tecnológicas destinadas à produção artesanal demonstrou vitalidade econômica.
A maioria dessas experiências fracassou ou apresentou relação desvantajosa entre o custo dos projetos, a população beneficiada e o retorno financeiro, não se justificando sua permanência.
Os seringais da Amazônia acabaram. Melhor se conformar.
         
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




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