segunda-feira, 21 de janeiro de 2019



Participação popular não garantiu o zoneamento na Amazônia
* Ecio Rodrigues
O período que vai de 1992 (quando foi realizada a Conferência da ONU no Rio de Janeiro) a 2007 (quando foi aprovada, no Acre, uma das últimas leis estaduais de zoneamento) poderia ser designado como “Era do Zoneamento” na Amazônia.
Nesse intervalo, praticamente todos os estados amazônicos gastaram muito dinheiro público na realização de Zoneamento Ecológico-Econômico, ZEE, com o objetivo de organizar a ocupação produtiva em seus territórios.
Imaginava-se que, por meio de estudos técnicos, seria possível zonear a superfície rural e determinar a vocação produtiva de cada zona.
Essa vocação técnica, por sua vez, seria confrontada com a demanda da sociedade – entendendo-se a participação da população na definição do uso da terra como peça-chave para o sucesso do zoneamento.       
Todavia, nada disso se concretizou. E, por sinal, hoje existe grande questionamento em relação ao papel da participação popular em planejamentos de políticas públicas, em especial na elaboração de zoneamentos.
Ora, em primeiro lugar, parece pouco provável que a população em geral esteja preparada para discutir e decidir um assunto eminentemente técnico como é o caso da vocação de uso do solo. Cabe ressaltar que, tratando-se da Amazônia, as duas opções “populares” são a pecuária de gado e a agricultura de queimada para produção de arroz, feijão, milho e macaxeira.
Por outro lado, não é exagero dizer que, no Brasil, a gestão pública não consegue seguir um planejamento de 2 anos – quanto mais de 20 anos, como se propugnava no ZEE.
No frigir dos ovos, a área de floresta destinada à criação de boi foi ampliada em toda a Amazônia. Esse é o saldo do ZEE.
Depositar as expectativas na decisão do produtor não foi o melhor caminho para frear a consolidação da pecuária. A saída parece estar na redução dos impactos ambientais resultantes das atividades produtivas.
Mas, como levar a ação governamental a se voltar para esse fim?
Acontece que há grande discrepância entre o planejado e as decisões políticas, sobretudo quando, no primeiro caso, as evidências científicas (dados estatísticos e séries históricas) são a base das decisões e, no segundo caso, o populismo eleitoral impregna o cotidiano dos órgãos públicos.  
No âmbito do saneamento básico e recursos hídricos, por exemplo, houve, nos últimos 25 anos, um investimento considerável da sociedade brasileira no planejamento de ações estatais, de forma a reverter o grave quadro de deficiência que até hoje caracteriza o setor.
Sem embargo, os políticos – e os gestores públicos por eles nomeados – não atentam para o fato de que obedecer ao planejado é um imperativo da democracia.
A desconexão entre a técnica e a política é deveras preocupante, e, como demonstra a experiência com a elaboração de ZEEs nos estados amazônicos, a participação popular não é a solução.
Sem que se resolva essa discrepância, continuar-se-á a gastar dinheiro com planejamentos que não vão a lugar nenhum – mas poucos parecem interessados nisso. 


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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