quarta-feira, 29 de agosto de 2018



Do Acre a Arica
* Ecio Rodrigues
Saindo de carro do Acre, depois de atravessar o território peruano e enfrentar uma burocracia excessiva e desnecessária para deixar o Peru e entrar no Chile, você chega em Arica, que ostenta o título de cidade mais seca do planeta.
O índice pluviométrico de Arica é de apenas 0,4 mm anuais.
Para ajudar a compreender essa insignificante quantidade de chuva, diga-se que em Rio Branco chove uma média de 1.935 mm por ano. Simplificando, é mais ou menos o seguinte: enquanto em Rio Branco chove todos os dias, em Arica não chove nunca.
O observador fica extasiado diante do horizonte de terras desérticas – uma paisagem desoladora, onde, por incrível que pareça, foram encontradas as múmias mais antigas do mundo, que remontam a 9 mil anos.
São as “Múmias do Atacama”, assim batizadas numa alusão ao deserto chileno. Os corpos foram embalsamados segundo as práticas funerárias da cultura Chinchorro, uma população que ocupou o deserto e o litoral do Pacífico na era pré-cerâmica, período inicial da ocupação humana nos Andes, antes do advento da Civilização Inca.
Por sinal, outra atração turística imperdível em Arica são as “Cuevas de Anzota”, um conjunto de grutas à beira mar que serviam como habitações aos chinchorros. A visita às cuevas dá uma ideia, ainda que vaga, da aclimatação desse povo àquele ambiente inóspito.
Ninguém imagina que exista na região algum potencial agrícola, entretanto, as áreas de vale em meio ao deserto apresentam solo fértil para o cultivo de azeitonas.
Depois de percorrer centenas de quilômetros de deserto, é uma agradável surpresa chegar, por exemplo, ao Vale de Azapa, uma grande superfície verde, coberta por oliveiras, das quais se extrai um azeite muito apreciado mundo afora. O segredo da produção agrícola está, por óbvio, na água.
Acontece que os agrônomos chilenos, a despeito da baixíssima pluviometria ali observada e da grande profundidade do lençol freático, lograram canalizar a pouca oferta de água para irrigar os vales formados entre as cordilheiras – que recebem, regularmente, toneladas de nutrientes que escorrem das montanhas e fertilizam terras planas e estáveis.
Sem água, porém, não daria para produzir muita coisa.
Devido à bem-sucedida irrigação, parte expressiva da riqueza de Arica tem origem na agricultura, com predominância da produção de azeitonas e azeite. Mas a base econômica se assenta mesmo na indústria da mineração, já que a região abriga 20% das jazidas mundiais de cobre.
Significa que a economia é forte, robusta; por isso, não se entusiasme com o câmbio (1 real = 180 pesos chilenos) – os preços são dolarizados, o que deixa os hotéis e restaurantes bastante caros para os brasileiros.
Cabe mencionar, por fim, a novidade que altera tanto a economia quanto a paisagem desértica: a energia solar. Sem chuva e sem nebulosidade, o potencial fotovoltaico do Deserto de Atacama é de tal expressão que pode atender à demanda do Chile por energia elétrica.
Nos últimos 10 anos, em face do aprimoramento da tecnologia, bem como da constatação científica de que o petróleo aquece o planeta, Arica se tornou campeã em investimento privado na geração de energia solar.
Painéis solares surgem na paisagem de deserto oceânico, indicando que o processo de adaptação do homo sapiens em Arica, que se iniciou com os chinchorros, ainda está por ser concluído.        


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




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