segunda-feira, 3 de julho de 2017

O desmatamento no Acre e a doação da Noruega para a Amazônia
* Ecio Rodrigues
Nos últimos dias foi noticiado que a Noruega cortou pela metade os recursos doados ao Brasil em 2017 (equivalentes a R$ 200 milhões), sob a justificativa de que o desmatamento da Amazônia aumentou 29% em 2016, em relação ao período anterior.
Como sempre apressada e simplista, a imprensa reportou o desmatamento da Amazônia, uma das maiores e mais importantes formações florestais do planeta, como apenas um graveto a mais na fogueira de queimação do governo, sem a menor preocupação em esclarecer minimamente o assunto.
Parece, inclusive, existir um senso comum, segundo o qual tudo se resume à política, entendendo-se por política a arte de corromper: uma vez que todos são corruptos, o que importa é derrubar quem quer que se encontre na Presidência da República, e o país que se afogue no poço da instabilidade.
Sim, o desmatamento aumentou na Amazônia, pondo em risco o reconhecimento internacional do Brasil. Mas, entre as causas desse aumento, despontam a crise econômica e a instabilidade política promovida pelos que são contrários às reformas e a tudo que possa nos tirar do atoleiro.
Deixando de lado a discussão infrutífera que move a imprensa, cabe uma pitada de informação, então vamos lá.
O Fundo Amazônia, que é gerido pelo BNDES, é abastecido todos os anos por doações de países desenvolvidos, sendo Noruega e Alemanha os principais doadores. Trata-se de doação, já que os recursos financeiros são transferidos a fundo perdido, e não a título de empréstimo ou financiamento. A contrapartida assumida pelo Brasil pode ser sintetizada na obrigação de reduzir o desmatamento na Amazônia.
Abram-se aqui parênteses. Acontece que no Brasil existe o desmatamento legalizado, que é realizado sob os auspícios da legislação. É um grande contrassenso, pois enquanto for permitido por lei, o desmatamento nunca – nunca! – será zerado. Mas como o país não discute nem assume esse desmatamento legalizado, faz uma espécie de “pegadinha” com a cooperação internacional.
Tanto é verdade que no âmbito do Acordo de Paris, o Brasil, ladinamente, se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Ou seja, mesmo que esse compromisso seja honrado, a sociedade terá que conviver com uma taxa anual (e bastante significativa, diga-se) de desmatamento da floresta.  
Talvez esteja aí a razão pela qual não se discute o desmatamento legalizado – tal discussão remeteria à constatação de que, a bem da verdade, nós aceitamos e justificamos o desaparecimento da floresta. Se a questão fosse enfrentada, fatalmente teríamos que responder uma pergunta bastante inconveniente, a saber: que extensão de destruição florestal a sociedade brasileira está disposta a tolerar todos os anos?
Desde 1988 o Brasil mede a área desmatada na Amazônia. A última taxa, essa que apontou o aumento de 29%, abrange o período entre agosto/2015 e julho/2016. A divulgação da taxa de 2017 (cuja medição se encerra em 31 de julho próximo) está prevista para novembro e certamente influenciará futuras decisões dos doadores.
Mas, e o Acre com isso? Bem, os dois estados amazônicos que mais colaboraram para a ampliação do desmatamento em 2016 foram Acre e Amazonas (que ostentaram, respectivamente, 47% e 54% de aumento na destruição florestal).
A responsabilidade pelo desmatamento anual deve ser partilhada entre os governadores dos 9 estados amazônicos – esta é uma condição precípua para mobilizar a sociedade local e pressionar os gestores públicos.
Afinal, não há dúvida científica de que o desmatamento é induzido por políticas públicas que valorizam a criação de boi em detrimento da vocação florestal da região e que são adotadas, em primeiro lugar, por governadores e prefeitos.
Perder o dinheiro da cooperação internacional é um dos efeitos do quadro perverso do desmatamento florestal da Amazônia, há piores.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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