segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

200 engenheiros florestais formados no Acre
* Ecio Rodrigues
Eram em torno de seis, um pouco mais talvez, mas não passavam de dez os engenheiros florestais – todos importados da região Sudeste – que atuavam no Acre no final da década de 1980.

Anos turbulentos, aqueles; a Amazônia ostentava elevadas taxas de desmatamento, e o mundo pressionava os brasileiros a encontrar uma saída para evitar a destruição da maior floresta tropical do planeta.

Foi quando surgiu a concepção das Reservas Extrativistas, um tipo especial de projeto de assentamento, que, diferentemente dos demais, não assentava produtores em novas áreas de terra, simplesmente reconhecia a posse de quem já estava lá (ou seja, dos seringueiros que permaneciam nas colocações de seringa). Em contrapartida, os extrativistas aceitavam a condição de produzir de maneira diversa da prevista na cartilha comum da expansão agropecuária, baseada no desmatamento e na criação de boi.

O manejo da floresta para a produção de borracha e de um rol de mais de 40 produtos - incluindo a madeira, obviamente - foi a saída encontrada para viabilizar um modelo de ocupação produtiva que se adequasse aos ideais de sustentabilidade preconizados para a Amazônia.

Por meio da tecnologia do manejo florestal comunitário (para o caso da madeira) e da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo (para a floresta como um todo), os ex-seringueiros - agora manejadores florestais - poderiam obter renda e conservar a floresta. É provável que essa tenha sido a principal contribuição que os extrativistas do Acre, com ajuda dos engenheiros florestais, legaram para o desenvolvimento da região.

Nascia ali uma Engenharia Florestal genuinamente do Acre. Mas foram necessários muitos anos para que seu passo mais significativo fosse dado: a criação do curso de graduação na Universidade Federal do Acre.

Hoje, ao completar 13 anos de funcionamento – e sempre recepcionando 80 alunos por ano – a Engenharia Florestal da Ufac está comemorando a graduação de seu engenheiro de número 200.

Embora exista, apenas no âmbito das reservas extrativistas – que somam quase 2,5 milhões de hectares no estado – demanda para um contingente estimado em mais de 250 engenheiros florestais (o que ajuda a explicar o fato de que os graduados não ficam desempregados), a importação desse profissional já não é necessária.

Contando com mais de 10 professores-doutores em seu quadro de docentes, e investindo na formação de engenheiros com perfil para atuar no Acre e na Amazônia, o curso da Ufac se vê às voltas com os desafios da pós-graduação.
Depois da criação de um Programa de Residência Florestal, que já está na terceira turma e tem foco na especialização em Gestão Florestal, a meta agora é a implantação de um curso de Mestrado em Ciência Florestal.

Decerto que depois de 200 engenheiros formados – o que tem grande impacto em âmbito regional -, a demanda para o mestrado é expressiva. Ademais, para um estado como o Acre, e uma região como a Amazônia, com categórica vocação florestal, a importância da pós-graduação em Ciência Florestal é inquestionável.

Contudo, e infelizmente, esses critérios não são levados em consideração no equivocado processo de avaliação levado a efeito pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o órgão do Ministério da Educação responsável pela implantação dos cursos de pós-graduação. Assim, o esforço da equipe não tem alcançado sucesso, e cinco propostas de mestrado já foram recusadas. Sem embargo, uma sexta tentativa será realizada em 2014.

Além do aprimoramento dos profissionais formados no estado, a insistência dos professores-doutores tem uma razão simples – o histórico significado da Engenharia Florestal para o Acre.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

                  

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O novo Código Florestal e o aumento do desmatamento na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Pode ser que não exista uma relação direta, da mesma forma que pode ser que exista, mas o fato é que, quando o novo Código Florestal foi aprovado, em maio de 2012, muitos, incluindo os cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, alertaram para a possibilidade de ampliação do desmatamento. E o desmatamento, realmente, aumentou na Amazônia.

O aumento ocorrido na taxa de desmatamento foi anunciado em Varsóvia, durante a Décima Nona Conferência das Partes (COP 19, na sigla em inglês), evento anual que discute as mudanças climáticas.

Houve quem relativizasse esse aumento, ponderando, em especial os representantes do governo federal, que o avanço se deveu a ações conjunturais e localizadas que tiveram lugar em alguns estados amazônicos, principalmente no Mato Grosso. Mas uma avaliação criteriosa e menos emocional demonstra que não é bem assim.

Desde que, pela primeira vez, a área anual desmatada foi inferior a 5000 km quadrados (no período entre agosto de 2011 a julho de 2012), as autoridades responsáveis pelo monitoramento do desmate na Amazônia passaram a acreditar que existia uma tendência de queda.

Entretanto, entre agosto de 2012 e julho de 2013, foram desmatados 5.843 km quadrados de floresta. Essa cifra representa um aumento de 28%, quando comparada à área atingida em 2012, que foi de 4.571 km quadrados.

A conclusão óbvia e ao mesmo tempo perigosa é que a tendência de queda pode ter se invertido. Este talvez seja o mais importante fato relacionado à dinâmica do desmatamento na Amazônia. E embora não seja um aumento que se possa considerar expressivo - haja vista os recordes alcançados em 1996 e em 2005, quando a área desmatada ultrapassou a casa dos 27.000 km quadrados –, não pode ser desconsiderado ou desvalorizado.

Um novo ciclo de ampliação do desmatamento pode estar por acontecer. Essa perspectiva é corroborada pela declaração feita pela Ministra do Meio Ambiente, de que o governo federal não irá tolerar a existência de desmatamento ilegal na região.

É de refutar-se, porém, que as áreas destinadas aos desmatamentos legalizados já não existem com tanta fartura. Considerando-se a porção de 20% das propriedades privadas que é passível de ser desmatada, como previsto no Código Florestal (tanto no antigo quanto no atual), é fato que, pelo menos nas localidades com acesso rodoviário, já foi desmatada percentagem superior.

Aliás, a inexistência de áreas disponíveis para o desmate legalizado pode mesmo se configurar no xis da questão. Ora, se não existe mais possibilidade de desmatamento legal, significa que todo e qualquer desmatamento passa a ser ilegal (o que, diga-se de passagem, facilita significativamente os procedimentos de fiscalização).

Mas, enfim, se em 2013 a economia nacional apresentou crescimento pífio, se não houve eleições, e se não foi levado a cabo nenhum programa específico de fomento produtivo na Amazônia (essas três circunstâncias, comprovadamente, promovem a ampliação do desmatamento), quais as razões para a tendência de queda se inverter e a área desmatada em 2013 ser 28% maior que a de 2012?

É difícil de responder. No mínimo, é necessário aguardar a aferição da taxa de 2014. Longe de torcer pelo pior, espera-se que a retórica oficial acerte e que a reversão na tendência de queda não seja confirmada. Caso contrário, como já referido, estaremos diante de um novo ciclo de crescimento do desmatamento na Amazônia.

Um ciclo de desmatamento a ser debitado, seja em função das novas regras, seja em face da demonstração de força dos ruralistas, na conta do novo Código Florestal. 


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Sobre vacas e ovelhas
* Ecio Rodrigues
Seria otimismo exagerado imaginar que pecuaristas renitentes, que sempre exerceram a pecuária e dessa atividade sempre obtiveram renda, procedessem a uma alteração substancial em suas unidades produtivas, a fim de trocar de animal, indo do boi para a ovelha. Independentemente da escala de produção, passar do boi para os caprinos (cabras, cabritos e bodes) ou para os ovinos (ovelhas e cordeiros) significaria organizar um novo – e bem diferente, diga-se – tipo de produção.

É certo que o apoio governamental ajuda (e muito) a convencer os produtores a embarcarem nessa aventura. Sem dúvida que, contando com o lastro do dinheiro público, os produtores se sentem mais seguros para se envolver com a criação das ovelhas, já que não teriam que arcar com iniciativas de alto custo, como a aquisição de matrizes selecionadas que funcionam como matriarcas do rebanho (daí o seu alto valor).

Entre outros incentivos, o Estado pode ainda fornecer crédito subsidiado e se comprometer com a estrutura de abate, uma vez que as novas criações precisam de matadouro próprio, não podendo ser aproveitadas as instalações empregadas para o abate de bois e porcos.

A despeito desse patrocínio, contudo – e é possível que apenas os extensionistas rurais, que estão no contato diário com os produtores, possam, verdadeiramente, explicar isso – o fato é que os produtores não só não querem mudar do boi para a ovelha, como de fato não irão fazê-lo. Estão apenas deixando-se levar, sabendo que podem entrar e sair da atividade sem qualquer tipo de comprometimento.

Existe uma cumplicidade entre quem financia, que precisa mostrar para a sociedade que a produção rural goza de apoio do governo, e quem é financiado, que vive ávido por apoio de qualquer ordem, seja em dinheiro ou assistência técnica, que solidifica uma relação com a produção rural, que, de concreto, promove a ampliação de pastos.

Por outro lado, a razão que leva os governos, sobretudo na Amazônia, a investirem recursos públicos para estimular a produção de ovelhas ou outro animal que não seja o boi, parece ser uma só: é feio financiar a pecuária bovina.

Promover a pecuária bovina passou a ser feio de uns anos para cá. Desde a Rio 92, a segunda conferência da ONU sobre desenvolvimento e meio ambiente, que o cerco sobre a instalação da pecuária de gado na Amazônia vem se fechando. Atualmente, até mesmo ardorosos defensores dessa atividade já se convenceram que o futuro dela, na região, é limitado.

Não haverá mais meios de expansão, pois novas terras significarão novos desmatamentos, algo que a sociedade não irá tolerar. De outra banda, a ampliação da produtividade, a fim de aumentar a quantidade de bois criados numa mesma quantidade de terras já desmatadas, tem limites impostos por uma realidade de mercado, a saber, custos elevados.

Como é feio promover a pecuária, o apoio público, que existe e não é pequeno, acontece por vias tortuosas, que não são explícitas. Mas é esse apoio que fornece a essa atividade a importância econômica que ela possui na região.
 Todavia, se é feio mostrar apoio à criação de boi, não será diferente, no curto prazo, com a criação de ovelhas. Uma série de elementos relacionados à produção de ovinos e caprinos afastam essa atividade dos ideais de sustentabilidade, tanto ou mais que a própria criação de boi que (paradoxalmente) se pretende substituir.

Além do fato de que se trata de animais que vêm sendo melhorados geneticamente ao longo dos anos, como é o caso da falecida Dolly, que foi clonada, as ovelhas também exigem o cultivo de pastagens – o que, no frigir dos ovos, irá significar mais desmatamentos no futuro.

Ou seja, com as ovelhas não se muda nada na produção rural amazônica, a lógica insustentável da pecuária bovina continua prevalecendo. 

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

                  

Livro Ciliar Só Rio Acre

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