segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Sustentabilidade do dia a dia: palito de fósforos
* Ecio Rodrigues
No cotidiano dos indivíduos, inúmeras decisões de consumo são tomadas sem levar em conta certos requisitos relacionados à sustentabilidade. Ainda que, de maneira geral, as pessoas sejam sensíveis aos impactos ambientais decorrentes do modelo de desenvolvimento assumido pela humanidade, essa sensibilidade dificilmente se reflete nas pequenas decisões tomadas diuturnamente.
O que acontece é que, diante da generalidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável – cunhado e negociado durante a conferência da Organização das Nações Unidas que ficou conhecida como “Rio 92” –, fica difícil para as pessoas interpretá-lo, ou melhor, traduzi-lo para a sua realidade diária.
Preocupados, certamente todos estão, mas são poucos os que possuem informações suficientes para converter essa preocupação em critérios, a ponto de influenciar uma decisão comezinha, como a compra de determinado utensílio doméstico. A bem da verdade, o movimento ambientalista deveria se voltar mais para incorporar a sustentabilidade no dia a dia das pessoas.
A sustentabilidade está relacionada à matéria-prima e ao processo produtivo aproveitados na fabricação dos bens de consumo. Dessa forma, pode se dizer que os critérios que informam a condição de sustentabilidade dizem respeito à origem da matéria-prima e ao tipo de tecnologia que é empregada na manufatura ou cultivo de um produto.
Evidentemente, não basta se imputar a rotulagem de “verde”, “ecológico” ou “sustentável” para resolver-se o problema do impacto ambiental embutido em determinado processo produtivo.  
Não é porque se confere, por exemplo, a designação de “boi verde” a um rebanho bovino (em função de alguma condição aleatória), que a respectiva criação de gado, uma atividade que se caracteriza pela conversão da floresta em pastagem, pode ser considerada sustentável. Para a realidade amazônica, aliás, é impossível arrogar-se à pecuária qualquer atributo de sustentabilidade.
Sendo assim, sob o ponto de vista da sustentabilidade, a decisão, em tese singela, entre comprar palitos de fósforos ou isqueiros embute a análise de uma série de elementos relacionados à matéria-prima e ao processo produtivo desses artigos, de forma que a escolha recaia sobre o apetrecho mais adequado aos ideais do desenvolvimento sustentável.
No caso, a decisão acertada para a sustentabilidade é o palito de fósforos, porque para a fabricação desse produto utiliza-se a madeira, uma matéria-prima que é renovável, ou seja, que pode ser cultivada. A Populus nigra (ou “álamo”, como é comumente conhecida), espécie empregada na produção de palitos de fósforos, pode ser plantada aos milhares para atender a toda a demanda por acendedores que há no mundo.
Já o isqueiro pode ser considerado o típico exemplo de um produto que deveria ser (e certamente será) banido do sistema econômico. Quase toda a matéria-prima empregada na fabricação do isqueiro não é renovável e, o mais grave, é intensiva no elemento químico carbono, principal causador do efeito estufa e do conseqüente aquecimento global.
Desde a cápsula que armazena o gás, que é fabricada em plástico ou outro derivado de petróleo, passando pelo próprio gás, e chegando até a pedra que faz a faísca e a válvula que regula a chama – esses artefatos são derivados de jazidas, matérias-      -primas não renováveis, que um dia irão se extinguir. Ademais, ao ser descartado, o palito de fósforo se degrada no meio ambiente, o que não acontece com o isqueiro.
Usar palitos de fósforos como acendedor: essa singela decisão de consumo ajuda o mundo a ser mais sustentável. 
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


A Funtac e a sustentabilidade no Acre
* Ecio Rodrigues
Que está na tecnologia a resposta para chegar-se a um processo de ocupação produtiva, na Amazônia, que seja adequado aos ideais de sustentabilidade preconizados pelo mundo, não há a menor dúvida.
No entanto, converter-se a demanda por tecnologia em algo concreto é o que difere os países, as regiões, os estados federativos. E nesse ponto, Brasil, Amazônia e Acre deixam muito a desejar.
Por algo concreto, pode-se entender o investimento público e privado (muito estatal e quase nada empresarial para o caso amazônico) em quatro itens fundamentais, sem os quais não haverá tecnologia para ajudar a sociedade a resolver os percalços que surgem na busca pela sustentabilidade.
O primeiro item se refere à existência de pelo menos uma instituição para amparar as pesquisas, instalar laboratórios, fornecer estrutura física, enfim, dar suporte ao desenvolvimento de inovações tecnológicas. Uma instituição que proporcione o que os sociólogos chamam de “meio de cultura” para a tecnologia.
O segundo item diz respeito ao investimento em formação e salário dos pesquisadores. O meio de cultura será mais ou menos propício à concepção de tecnologia, dependendo, obviamente, do nível de formação dos indivíduos que atuam na área e da sua remuneração.
Mas, para além do salário dos pesquisadores, tecnologia também requer recursos anuais para investimento e custeio que não podem, em hipótese alguma, estar sujeitos a qualquer solução de continuidade. Recursos que devem ser planejados, por períodos previamente definidos, sob todas as garantias de que serão providos quando forem demandados pelos experimentos tecnológicos. A garantia de capital anual e permanente é o terceiro item crucial para a inovação tecnológica.
Finalmente, para a concepção de soluções tecnológicas que conduzam a Amazônia na direção da sustentabilidade é necessário haver consenso sobre o tipo de tecnologia buscada. Não adianta, por exemplo, resolverem-se os problemas tecnológicos concernentes à viabilidade da pecuária bovina, uma atividade intrinsecamente insustentável. A elaboração de preceitos que orientem a pesquisa tecnológica é, portanto, o quarto elemento para a tecnologia da sustentabilidade.
Sob ligeira análise, poderia ser dito que tudo isso ocorre no Acre. A Fundação de Tecnologia do estado, Funtac, está completando 25 anos de criação. A instituição abrigou e ainda abriga muitos profissionais com formação superior e elevado nível técnico. Por outro lado, existe, no estado, um fundo de apoio às pesquisas e uma política estadual de ciência e tecnologia.
Mas não é bem assim. A Funtac não tem o apoio que deveria ter, carece de laboratórios, de estrutura e, o mais grave, o órgão conta com menos de 10% da quantidade de pesquisadores que necessita. Igualmente, o fundo estadual não garante nem 10% dos recursos financeiros anuais exigidos pela demanda por tecnologia. Enquanto que não se sabe por onde anda, ou que fim levou, a política estadual de ciência e tecnologia.
Em meio a um ambiente desfavorável, em que à produção de tecnologia não é conferida qualquer prioridade, a Funtac, como instituição, e as pessoas que todos os dias ajudam a mantê-la merecem mais que parabéns pelos 25 anos, merecem medalhas.
Seria difícil computar-se a grande contribuição prestada pelas instituições envolvidas com o tema da pesquisa tecnológica na Amazônia para a conquista da sustentabilidade na região.
Mas uma coisa é certa: numa lista das três instituições amazônicas com maior currículo para a sustentabilidade, a Funtac constaria lá.

* Ex-presidente e admirador assumido da Funtac. Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Sobre a alagação de 2012 na várzea do Rio Amazonas
* Ecio Rodrigues
Em 2012, a cheia do inverno amazônico foi alçada à condição de alagação em diversas cidades da região. Os rios Acre e Purus castigaram as cidades de Rio Branco e Boca do Acre, respectivamente. Da mesma forma, o rio Negro inundou Manaus, e o Amazonas chegou às praças de municípios ribeirinhos, como Itacoatiara e Urucurituba.
Conforme asseguraram os estatísticos que monitoram os rios na Amazônia, chegou-se aos mais altos níveis de vazão, ultrapassando-se em muito a cota de transbordamento. Um novo índice começou a ser medido: o tempo de duração da alagação.
Acontece que quem ficou alagado, permaneceu assim por mais tempo que o habitual, porque a alagação durou mais de um mês. Os produtores ribeirinhos que ficaram alagados viram seus cultivos serem sacrificados, pela submersão e pela força da correnteza, durante muito tempo.
Ainda agora, no mês de setembro – quando o problema em alguns rios dessa exuberante bacia hidrográfica passou a ser a falta d’água, sob riscos elevados de ocorrência de secas extremas e de colapso no abastecimento urbano –, perdas irreparáveis são facilmente observadas. Essas perdas dizem respeito ao estrago que a água fez ao deixar submersa a produção praticada na beira do rio.
Em geral, as unidades produtivas existentes às margens do Amazonas praticam o cultivo familiar de alguns produtos agrícolas (milho, arroz, feijão e macaxeira), bem como a extração de alguns produtos florestais (como os frutos e o palmito do açaí e de outras palmeiras).
No entanto, a perda mais expressiva sofrida pelos ribeirinhos, na ausência de uma ocupação mais expressiva pela atividade pecuária, ficou por conta dos prejuízos nos cultivos de cacau.
Tanto os povoamentos mais antigos, cujas árvores foram plantadas ainda no início do século passado, quanto os mais recentes, foram reduzidos à metade. Não será exagero se falar em perda de 50% nesses cultivos.
A despeito de se caracterizarem por elevada rusticidade, os pés de cacaueiro não resistem à submersão por longo período, como ocorreu nessa última alagação. Todos os frutos que estavam em altura mais baixa e que permaneceram debaixo d’água por alguns dias apodreceram.
Além da submersão, a ampliação da vazão trouxe outras consequências danosas para os cultivos de cacau.
Ocorre que é difícil para as árvores aguentarem a força da correnteza. Ante a ampliação da vazão, há maior quantidade de água, que, por sua vez, corre sob maior velocidade. O que estiver no rumo da correnteza é levado, formando o que os ribeirinhos chamam de tranqueiras, que derrubam e arrastam as árvores que estão no caminho, que, por sua vez vão se acumular na própria tranqueira ampliando seu potencial destruidor, como o efeito bola de neve.
Agora, na seca, os estragos nos cultivos de cacau estão bem visíveis. Uma vez que os ribeirinhos estão ocupados com a pesca (que é boa enquanto o rio baixa), somente daqui a alguns meses, com a proximidade do inverno e uma nova estação de chuvas, é que as árvores deverão ser podadas, e aquelas que arriaram deverão ser abatidas.
Os povoamentos, reformados à força das águas, ou das alagações, começarão a frutificar novamente a partir de janeiro, fornecendo uma safra que, espera-se, compense a safra que acabou de se perder.
O ciclo será renovado; a várzea do Amazonas, com cada vez menos mata ciliar, continuará sendo exuberante; e as pessoas continuarão a achar tudo muito natural.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 9 de outubro de 2012

SBPC e ABC divulgam carta aberta contra as alterações no código florestal


SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIA
CARTA ABERTA PARA PRESIDENTA DILMA SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO FLORESTAL
Senhora Presidenta,
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.
O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental.
O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas.
Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.
Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.
Com a aprovação da MP 571/2012 pelo Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão.
A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:
Definição de Pousio sem delimitação de área – Foi alterada a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.
Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios – O texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. As APPs não podem ser descaracterizadas sob pena de perder sua natureza e sua função. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade de água, e de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.
Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP introduziu a expressão “perenes” (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).
Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).
Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais – As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o ). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da diversificação da produção.
Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico – O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%.
Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.
Diminuição da proteção das veredas – O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do “espaço permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico.
Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais – O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões.
Senhora Presidenta, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas.
Portanto solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 2012, aprovada pelo Senado Federal.
Atenciosamente,

Helena B. Nader
Presidente SBPC

Jacob Palis
Presidente ABC



segunda-feira, 8 de outubro de 2012


Parlamentares insanos aprovam fim da mata ciliar
* Ecio Rodrigues
De cada 5 parlamentares brasileiros, 3 votam a favor do agronegócio, 4 são contrários a toda e qualquer proposta que represente preocupação com a sustentabilidade ecológica, e 5 aprovam o fim da mata ciliar.
Três em cada cinco dos nossos parlamentares – senadores e deputados federais que representam o povo e ocupam uma vaga no Congresso – votam a favor do agronegócio, não por possuírem um vínculo estreito com a atividade rural, ou seja, com a produção de soja ou de carne de gado. Fosse dessa maneira, seria compreensível o seu posicionamento.
Eles apoiam o agronegócio porque acreditam que o Brasil deve se consolidar, perante a especialização internacional das economias, como um grande fornecedor de matéria-prima agropecuária, as chamadas commodities. Um raciocínio insano, diante de tantas evidências contrárias e do pífio crescimento da econômica nacional.
Por outro lado, a maioria dos países associados à ONU (vale dizer, o que se pode chamar de “mundo”) exige do agronegócio, bem como de outras atividades industriais consideradas nocivas ao meio ambiente, as denominadas salvaguardas ambientais. São mecanismos destinados a restringir as atividades produtivas, de forma a adequar a economia do futuro aos ideais do Desenvolvimento Sustentável – a saber: o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem pôr em risco o atendimento das demandas das futuras gerações. Trata-se, em última análise, de resguardar o planeta de um estrago ainda maior do que o já causado pela humanidade.
Contudo, quatro em cada cinco dos nossos parlamentares se posicionam contrariamente a qualquer tipo de medida que limite as atividades produtivas, não por considerar que os problemas relacionados à sustentabilidade poderiam ser resolvidos por meio da tecnologia. Se assim fosse, seria compreensível.
Na verdade, eles acreditam que se trata de uma conspiração internacional, promovida por organizações não governamentais estrangeiras, que contam com apoio de ambientalistas brasileiros, e que tudo seria capitaneado pelos Estados Unidos, que têm obsessão por manter os brasileiros em situação de extrema pobreza.
Novamente, um raciocínio insano, diante da indiferença com que os americanos tratam a América do Sul, e da fragilidade do movimento ambiental tupiniquim.
Por fim, existe uma preocupação generalizada, por parte da sociedade, em relação à quantidade e qualidade da água. Todo cidadão brasileiro já teve acesso a algum tipo de informação quanto à importância desse recurso natural, tanto para o consumo humano quanto para a geração de energia. Previsões indicam que a água, num futuro próximo, será o recurso natural mais valioso no mundo; a água valerá mais que a terra, por exemplo.
Mas, cinco entre cinco dos nossos parlamentares aprovaram o fim da mata ciliar, não porque rejeitam a tese que relaciona a quantidade e qualidade da mata ciliar à quantidade e qualidade da água que corre no rio. Isso até seria compreensível.
Eles aprovaram o fim da mata ciliar em face de uma espécie de acordo espúrio, que evidencia a leviandade com que a Câmara trata os assuntos de interesse da nação brasileira e a incompetência do Legislativo nacional para decidir sobre qualquer tema que exija profundidade de informação e um nível mínimo de formação.
Mas o que é insano mesmo é o nosso sistema eleitoral, que comporta senadores que não são eleitos e deputados que são eleitos sem votos (ou melhor, com os votos dos outros).
Resta esperar que a Presidente da República, que já demonstrou ter bom senso, conserte o estrago feito pelo frágil parlamento nacional.
Agora, mais que nunca: Veta Dilma!  

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 2 de outubro de 2012


Laranjais não restauram mata ciliar. Veta Dilma!
* Ecio Rodrigues
Após quase dois anos de discussão sobre a proposta de novo código florestal, conseguiu-se chegar ao limiar da insensatez com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei de Conversão nº 21/2012.
Para se entender melhor a novela do Código Florestal, cabe um breve esclarecimento. Embora o Código englobe um conjunto de definições e regulamente uma série de instrumentos relacionados às florestas, a controvérsia se restringe aos institutos da reserva legal e da área de preservação permanente, APP.
Acontece que uma parte considerável dos produtores rurais (do pequeno ao grande) estava ilegal, em face do desmatamento das áreas destinadas à reserva legal (que no caso da Amazônia representa 80% do total da propriedade) e das áreas de preservação permanente, em especial a mata ciliar.
Como essa situação de ilegalidade impedia que o produtor tivesse acesso ao crédito público, nossa sabedoria tupiniquim entendeu por bem mudar a lei, a fim de adequá-la aos infratores e, dessa forma, trazê-los para a legalidade. Surgia assim a demanda por um novo código florestal. Legalizar o produtor significava, em síntese, definirem-se novos tamanhos para a reserva legal e mata ciliar, além de se estabelecerem regras para a restauração florestal da parte desmatada.
O acirramento dos debates fez surgir uma bancada de ruralistas bem superior ao que se pensava. Representando extensa maioria, os parlamentares que acreditam no agronegócio como modelo de desenvolvimento para o país aprovaram como bem entenderam as propostas que transitaram, mais de uma vez, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Insatisfeita com a proposta final aprovada no Congresso, a presidente Dilma vetou vários artigos e converteu a matéria controversa numa Medida Provisória, que, por sua vez, também foi alterada e votada pelo Congresso: essa é a proposta que, agora, passará novamente pelo crivo da presidência.
Trata-se, seguramente, da pior proposta já aprovada pelos parlamentares, entre todas as outras que levaram à opção pelo veto. A explicação é simples. Desde a primeira versão, aprovada na Câmara dos Deputados em maio de 2011, a restauração da mata ciliar e da área de reserva legal deveria ser conduzida mediante o emprego de espécies nativas da região.
Incluindo um dispositivo perigoso, os parlamentares simplesmente desconsideraram toda a discussão sobre a largura que a mata ciliar deveria ter em função do tamanho do rio e da propriedade. Em seu art. 61, § 13, inciso V, a proposta aprovada permite que a restauração da mata ciliar ocorra com o plantio de árvores frutíferas.
Poucos devem ter atentado para o fato de que a inclusão desse dispositivo, que libera o plantio de árvores frutíferas na mata ciliar a título de restauração florestal, irá transformar as matas ciliares, inclusive as que ainda existem, em grandes extensões de laranjais. Ora, o plantio de laranja, limão, tangerina ou quaisquer outras frutíferas não restaura a mata ciliar e suas funções.
A polêmica sobre a quantidade de florestas que devem estar presentes na margem do rio só tem sentido quando se trata de fazer com que, mediante o plantio da vegetação nativa, a mata ciliar volte a desempenhar suas funções ambientais. Ou seja, volte a conter o desbarrancamento; a impedir que a areia e o barro cheguem até o rio; a conservar a fauna silvestre dentro e fora d’água; e, o mais importante, volte a contribuir para o equilíbrio hidrológico do rio, a fim de que não falte água para beber e gerar energia elétrica, por exemplo.
Laranjais não servem para nada disso.
Bastou uma ideia infeliz para que as funções da mata ciliar fossem esquecidas de imediato e por todos. Agora, mais que nunca, Veta Dilma! 
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre