segunda-feira, 30 de maio de 2011

Alagação não era para ser bom negócio para ninguém
* Ecio Rodrigues
Primeiro é preciso fazer uma distinção técnica e conceitual crucial: cheia não é alagação. Existe uma diferença enorme entre essas duas situações pelas quais passam, periodicamente, os rios amazônicos.
As cheias são anuais, acontecem em todo período chuvoso do inverno amazônico que vai de dezembro a abril. São importantes para melhoria da vazão dos rios e sempre trazem novos nutrientes para enriquecimento das áreas de várzea e alimentação da ictiofauna.
Ou seja, as cheias renovam os rios, melhoram o leito, a vazão e, o mais importante, a oferta de comida, que por sua vez, amplia a quantidade de peixes deixando as comunidades que vivem da pesca felizes.
É a fartura que surge todo final de ano com a vitalidade de uma paisagem embriagadora. Vários rios amazônicos, como o Rio Acre, que corta a capital Rio Branco, formam uma bela paisagem somente nas cheias. No período de seca, quando a vazão vai a quase zero e o rio ameaça apartar, para usar um termo local, a visão é mais que sofrível.
Com uma paisagem triste e colocando em risco o abastecimento de água das cidades os rios aguardam pelas cheias para recuperarem sua vazão e contribuir para subsistência das famílias de pescadores e ribeirinhos, que dependem dele. Cheia é período de alegria e de fartura. É quando as pessoas mais se aproximam dos rios.
Já alagação é outra coisa.
Há estudos que procuram comprovar a ocorrência cíclica das alagações. Voltando ao exemplo do Acre, todos se recordam das grandes alagações que aconteceram no final da década de 1980 e depois no final da década de 1990. Mas esse intervalo de tempo entre uma e outra alagação é impossível de prever, por isso as alagações são, em sua grande maioria, tragédias.
Ocorre que essa imprevisibilidade associada às alagações faz com que a sociedade seja apanhada desprevenida. Geralmente, ninguém esta preparado para uma alagação que assume proporções elevadas. A tragédia se concretiza devido ao número, quase sempre muito grande, de pessoas atingidas pelas águas e pelo estrago causado.
Diferenciar cheias de alagações é fundamental, uma vez que o atendimento público a uma e outra situação é, ou deveria ser, bem distinto. Além do número de pessoas envolvidas, a condição de tragédia que gera profunda comoção social faz com que a resposta de governantes para as alagações aconteça em situações de calamidade pública.
Por outro lado as cheias, tendo em vista sua previsibilidade e a possibilidade de se planejar e antever seus efeitos requer uma resposta pública de caráter preventivo, a ser realizada de acordo com rotinas administrativas previamente estabelecidas e que são periódicas, ou seja, realizadas anualmente.
Ao contrário da alagação, as causas dos efeitos danosos provocados pelas cheias são conhecidas e passíveis de correção, a partir de uma ação permanente. Em sua grande maioria, essas causas estão vinculadas à ocupação irregular da mata ciliar dos rios e igarapés, que, especialmente em épocas de eleições, são até incentivadas pelos que pensam ser políticos, mas são, na verdade inescrupulosos.
O problema mais grave e perigoso surge quando, tratar cheias como se alagações fossem se torna um bom negócio para todos. Todavia é simples se detectar esse equívoco.
Afinal, alagação não acontece todo ano, apesar de todo ano ter gente alagada.
        
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 24 de maio de 2011

Inventário Florestal descreve a mata ciliar do Rio Acre
* Ecio Rodrigues
A importância da vegetação existente nas margens dos rios, denominada de mata ciliar, foi reconhecida desde a elaboração do Código Florestal que forneceu especial destaque a essas formações florestais, a ponto de incluí-las no que a legislação convencionou chamar de Área de Preservação Permanente.
Ou seja, são florestas que devem ser preservadas para garantir a qualidade da água e o equilíbrio das vazões dos rios evitando, por isso, ocorrência de alagações e secas extremas. Todavia, apesar da garantia legal as conseqüências dos desmatamentos realizados nas margens dos rios são cada vez mais visíveis.
Nesse contexto, diagnosticar o nível de ocupação antrópica e as transformações na mata ciliar acarretada pela produção agrícola, em especial pela criação de gado, ao mesmo tempo em que propõe sistemas de restauração florestal nos trechos desmatados, passaram à condição de prioridade para a academia e institutos de pesquisas que atuam na Amazônia.
Com apoio do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico, CNPq, que esta completando 60 anos, os engenheiros florestais da Universidade Federal do Acre iniciaram um ousado projeto para estudar a mata ciliar do Rio Acre, principal provedor de água para capital, Rio Branco e mais outros sete municípios.
Com orçamento de R$ 200.000,00 o projeto, que tem o sugestivo nome de Ciliar Só-Rio Acre, uma alusão ao rio, aos cílios e ao sorriso, irá desvendar quais espécies florestais são nativas da mata ciliar e, portanto, indicadas para serem usadas na sua restauração florestal.
Para isso foi preciso realizar um amplo mapeamento com imagens de satélite para que, em todos os 8 municípios envolvidos, se pudesse calcular o grau de desmatamento existente na mata ciliar daquela cidade. A partir daí foi possível identificar, quais os trechos do rio eram críticos para restauração.
Com o mapeamento concluído o segundo passo foi a execução de um Inventário Florestal, em toda extensão de mata ciliar, de Porto Acre até Assis Brasil, em uma faixa de dois quilômetros de largura em cada margem do rio.
A resposta encontrada pelo Inventário consta de monografia de conclusão do curso de graduação em Engenharia Florestal elaborada por Moema Silva Farias, que calculou quais eram as 20 espécies florestais com maior Índice de Valor de Importância e que deveriam ser utilizadas para restauração florestal da mata ciliar.
Organizar um programa de extensão florestal para convencer autoridades dos oito municípios acerca da importância e emergência para assumir a tarefa da restauração é o próximo passo do Ciliar Só-Rio Acre.
O projeto é fruto de uma concentração de esforços que envolveu, além da UFAC, a Embrapa-Acre, a Unesp e, a partir de agora, as prefeituras municipais. Para tanto está sendo preparado material de extensão para divulgação das 20 espécies florestais e a realização de palestras junto às Câmaras de Vereadores e o executivo municipal.
Espera-se que ao final do projeto, cada município aprove sua Lei Municipal de Mata Ciliar, definindo qual a largura da mata ciliar será apropriada à sua realidade e que tipo de manejo poderá ser praticado ali.
A partir do trabalho concluído pela, agora, Engenheira Florestal Moema, um novo horizonte se abre para a realização de outros estudos, com o tema da mata ciliar. Uma linha de pesquisa nova e de fundamental importância tendo em vista que a lacuna de conhecimento era enorme.
Voltar atenção para mata ciliar dos rios, sobretudo na Amazônia, é uma tendência da academia e a Engenharia Florestal da UFAC fornece sua contribuição.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

sábado, 7 de maio de 2011

Qualidade da água comprometida
                                                                                             Antonio Talysson Santos de Oliveira*  
Água do Rio Acre em Assis Brasil (A) e Porto Acre (B). 
Em meio às acirradas discussões sobre o Código Florestal Brasileiro, em especial, sobre os assuntos relacionados às matas ciliares, a Academia Brasileira de Ciências, ABC, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, deram contribuições técnico-científicas de elevada importância para o debate. Talvez essa intervenção seja uns dos principais motivos pelo adiamento da votação ocorrido no último dia 04\05.

Dentre os diversos tópicos tocantes a mata ciliar, chama atenção, além das várias funções já atribuídas a essas áreas que são de fundamental importância para a manutenção do equilíbrio hidrológico, há outro fator importante de avaliação: a turbidez da água, esta associada o grau de degradação da mata ciliar com maior ou menor turbidez da água é uma urgência para a pesquisa.

 A turbidez nada mais é do que uma característica física da água, decorrente da presença de substâncias em suspensão, ou seja, sólidos suspensos que precipita vagarosamente ao longo do curso da água. É importante considerar que as águas do Rio Acre, como a maioria dos rios brasileiros, são naturalmente turvas em decorrência da natureza geológica de sua bacia de drenagem, ou seja, a água é barrenta por natureza e em quantidades consideradas altas.

No entanto, essa turbidez pode aumentar de maneira considerável com o desmatamento da mata ciliar, pois o solo exposto junto com as formas de declive do relevo da bacia, sofrendo a ação das chuvas que carreiam componentes dos solos, erodíveis ou agricultados, carreando as pequenas partículas de argila, silte, entre outros para os ambientes aquáticos. Contribuição mais que suficiente para aumentar os índices de turbidez da água.

Diante da gravidade do problema da turbidez o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA estabeleceu um nível máximo de turbidez para cada classe de rio, conforme estabelece a RESOLUÇÃO Nº 357, DE 17 DE MARÇO DE 2005.

Como é um indicador de qualidade da água, a turbidez em grandes quantidade é prejudicial ao tratamento da água, pois essa pode não alcançar o padrão ideal de consumo assim tendo que ser descartada, para que um novo processo seja iniciado, gerando prejuízos aos cofres públicos e também à população que pode receber uma água de baixa qualidade.

É um problema que ocorre na Bacia do Rio Acre, mais especificamente nos municípios que usam o Rio Acre como fonte de abastecimento d’água. E em Rio Branco o problema é reconhecido pelas autoridades, conforme matéria publicada¹ em 30 de abril de 2011:

O problema que vinha comprometendo o abastecimento era o nível de turbidez da água do rio Acre, que chegou 2.300 PPMs enquanto o aceitável é valor entre 400 e 600 PPMs, atualmente está em cerca de 800 PPMs, se aproximando do normal” e completam ... A turbidez aumenta por alguns fatores, a oscilação do nível do rio Acre é um dos motivos.   

A relação entre a turbidez e a quantidade de água, nível, do rio é evidente, porém, vale ressaltar que isso é um processo natural que ocorre todo ano, na época das cheias. Analisando a situação de alta desses índices fica fácil concluir que é a água das chuvas que escorrem pelos SOLOS EXPOSTOS oriundo da retirada da mata ciliar que carregam consigo as PARTÍCULAS que ficam em SUSPENSÃO na água do rio tornando-a mais turva.

Assim, a oscilação do nível do rio é a parte final de um processo de turvação da água por uma única e gravíssima razão: a retirada da mata ciliar.

(¹)http://www.riobranco.ac.gov.br/v4/index.php?option=com_content&view=article&id=2408:eduardo-vieira-recebe-vereadores-no-saerb&catid=1:noticias&Itemid=68

*Antonio Talysson Santos Oliveira
     Graduando em Eng. Florestal




quinta-feira, 5 de maio de 2011

SBPC e a ocupação da mata ciliar no Rio Acre

            A história da ocupação social e produtiva do Acre está ancorada no uso dos rios como principais vias para transporte de cargas e de pessoas o que fez com que um contingente elevado da população se concentrasse nas margens de seus principais rios. Nas ultimas duas décadas o crescimento desordenado destas ocupações vêm aumentando, indubitavelmente, a pressão sobre os recursos naturais, principalmente dos mananciais de água do Estado.
            O Rio Acre, dentre os cursos d`água localizados no Acre, é o mais ameaçado pela pressão do crescimento populacional e é o que mais sofre com a degradação, pois, trata-se de um  rio que corta oito (8) municípios:: Xapuri, Assis Brasil, Brasileia, Capixaba, Epitaciolândia, Senador Guiomard, Rio Branco e Porto Acre.
            Pode-se observar que a população residente às margens do rio, além de significativa em quantidade e se caracterizar pelas classes sociais menos favorecidas, por sua vez, mantêm relação de dependência com este manancial de água para sua sobrevivência cotidiana.
            Estima-se que, nas ultimas décadas, a evolução do desmatamento nas margens do rio vem provocando impactos irreparáveis na flora e fauna existentes, principalmente nas área de preservação permanentes convertidas para exploração agropecuária que teve início a partir da década de setenta, apesar da lutas travadas de sindicalistas e ambientalistas como Chico Mendes.
            Atualmente os impactos parecem ser mais evidentes, pois já são notados pontos claros de assoreamento, contaminação por despejos de esgoto in natura e outros dados que merecem especial atenção das autoridades que podem decidir.
            Pelos estudos atuais é evidente que a manutenção da floresta ao longo dos rios é de extrema importância para a conservação da biodiversidade, produção de alimentos, pois, além de estabilizar as encostas evitando o assoreamento da calha, servem de abrigo de formas de vida capazes de aumentar a produção de culturas importantes.
            Sendo assim a recuperação de áreas degradadas ainda é possível com utilização de espécies florestais nativas. Pois essas espécies favorecem e contribuem para que  o serviço prestado pelos polinizadores seja realizado na natureza, mantendo assim a biodiversidade do ecossistema.
A Academia Brasileira de Ciência e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência defendem que a importância da manutenção de remanescentes de vegetação nativa nas propriedades e na paisagem transcende os benefícios ecológicos.
Pois ela tem papel importante no condicionamento do solo para o amortecimento das chuvas e a regularização hidrológica, diminuindo erosão, enxurradas, deslizamento e escorregamento de massa em ambientes urbano e rural.

Erica Lima,
 graduanda em Engenharia Florestal 




terça-feira, 3 de maio de 2011

Contribuição da SBPC para novo Código Florestal

A reformulação do Código Florestal brasileiro despertou interesse dos mais diversos ramos, tanto tecnológicos quanto científicos e sociais. Visando um maior esclarecimento sobre tal mudança, a SBPC (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência) formou um grupo de trabalho para oferecer informações e dados técnico-científicos que servirão como argumentos na discussão sobre a proposta do novo Código Florestal, que deve ser votada na próxima semana na Câmara dos Deputados em Brasília.
Um dos argumentos principais da SBPC diz respeito ao uso correto da terra. Segundo estudos, a importância do uso planejado da terra é o primeiro passo para a conservação dos recursos naturais. Deve se levar em conta que o uso produtivo desta terá um grande impacto nos ecossistemas, sejam eles água ou solo.
A qualidade de água está relacionada diretamente aos procedimentos técnicos que são tomados antes de qualquer alteração no solo. Além da qualidade da água, outro fator de fundamental importância é que o uso racional dos solos pode ser um aliado no combate a erosão e na qualidade da agricultura.
É necessário frisar que o Brasil se destaca por possuir um enorme potencial para agricultura. Porém, nem todas as áreas estão aptas para um uso adequado, isto é, alguns locais apresentam limitações no solo, um fator que requer mais atenção por necessitar de correções e tratos constantes, com adoções de praticas de manejo conservacionista, levando em conta a emissão de gases do efeito estufa.
Talvez o assunto de maior relevância a ser abordado diga respeito a Áreas de Preservação Permanente, as APP. São áreas de importância ecológica, cobertas ou não por vegetação nativa, que têm como função preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. Como exemplo de APP estão as áreas de mananciais, as encostas com mais de 45 graus de declividade, os manguezais e as matas ciliares.
Segundo alguns pesquisadores, algumas áreas de APP são insubstituíveis, pois em razão da biodiversidade e de seu alto grau de especialização e endemismo, além dos serviços ecossistêmicos essenciais que desempenham, tais como a regularização hidrológica, a estabilização de encostas, a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas invasoras.
A preservação dessas áreas tem um impacto direto na fauna, vegetação, qualidade do solo e da água. No caso da fauna, servirá como corredor ecológico, ou seja, para os animais poderem deslocar-se ao longo da floresta, tendo importância no seu acasalamento e outros fatores.
A mata ciliar tem sua importância destacada pelo fato de ser fundamental na qualidade de água dos rios, filtragem de nutrientes, controle da erosão e da temperatura.
É correto dizer que hoje, a mata ciliar não é protegida como deveria ser. Existem inúmeras alternativas para a recuperação dessas áreas que podem ser aplicadas facilmente e consequentemente melhorarem a qualidade de vida de todos nós, mas isso envolve ações políticas e dificilmente são seguidos todos os protocolos ideais.
De acordo com o Código Florestal atual, a área a ser preservada em matas ciliares vai variar de acordo com o tamanho do rio.
Um assunto de grande relevância abordado são as Reservas Legais. Atualmente a legislação estipula que 80% de uma área privada seja de floresta nativa. A redução dessas reservas legais acarretaria uma série de consequências nada satisfatórias, que futuramente comprometerão a todos nós.
A redução das florestas nativas levaria a um risco elevado de extinção de algumas espécies, comprometendo a eficiência dessas áreas como ecossistemas funcionais. A recuperação dessas áreas depois de afetadas não atingiria um resultado aceitável, pois devido à antropização as características da floresta iriam mudar radicalmente.

VINÍCIUS NUNES HONÓRIO DA SILVA 
Bolsista do projeto

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre